quinta-feira, 15 de maio de 2014

Vítor Nogueira


ANZOL


Ao fim da tarde, o cardume desagrega-se. Inteiro,
procuro reunir os meus pedaços. É a sensatez
de não abandonar o esconderijo, a prudência
com que a ave canora evita o pássaro-da-morte.

Porém, noites há que me rebentam nos ouvidos.
Todas as experiências, todos os bocados de papel.
Um anzol à minha espera, a cidade é paciente,
não perdoa. Tem a astúcia da ave de rapina.

Bem sei: na vida, o primeiro golpe de génio
acontece no momento em que avaliamos
as nossas limitações. Mas, por muito calculistas
que sejamos, podemos realmente conhecer-nos
quando o abrigo se torna insuportável.



in BAGAGEM DE MÃO, Ed. & etc , Julho 2007, pág. 46.

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