domingo, 5 de abril de 2009

Herberto Helder

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Falemos de casas, do sagaz exercício de um poder
tão firme e silencioso como houve
no tempo mais antigo.
Estes são os arquitectos, aqueles que vão morrer,
sorrindo com ironia e doçura no fundo
de um alto segredo que os restitui à lama.
De doces mãos irreprimíveis.
- Sobre os meses, sonhando nas últimas chuvas,
as casas encontram seu inocente jeito de durar contra
a boca subtil rodeada em cima pela treva das palavras.
(...)
Falemos de casas. É verão, outono,
nome profuso entre as paisagens inclinadas.
Traziam o sal, os construtores
da alma, comportavam em si
restituidores deslumbramentos em presença da suspensão
de animais e estrelas,
imaginavam bem a pureza com homens e mulheres
ao lado uns dos outros, sorrindo enigmaticamente,
tocando uns nos outros - comovidos, difíceis, dadivosos,ardendo devagar.
(...)
Falemos de casas como quem fala da sua alma,
entre um incêndio,
junto ao modelo das searas,
na aprendizagem da paciência de vê-las erguer
e morrer com um pouco, um pouco de beleza.»
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Prefácio, (poema inicial de "A Colher na Boca"(1961), que igualmente abre o último volume publicado, OFÌCIO CANTANTE - Poesia Completa, Assírio & Alvim, 2009)


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